terça-feira, 16 de março de 2010

Cordeiro troca a farda pelo abadá e cai na muvuca

Era segunda-feira, o quinto dia de trabalho como cordeiro de Edson Cardoso Lopes. Mesmo com pouca idade – 20 anos – este é o quarto Carnaval no qual exerce a função. Após chegar à concentração do bloco Papa, comandado por Claudia Leitte, na Barra, por volta das 10h, ele teve de aguardar até as 15h a saída da agremiação.

E lá estava Edson na avenida recomeçando o trabalho de proteção aos associados, o que lhe renderia R$ 28 (a diária) e mais R$ 2 para o transporte. Desempregado, o jovem admite que não teria condições de sair em bloco, mas ganhou um abadá, cedido pelo bloco a pedido de A TARDE, quando estava começando o serviço. O dia de trabalho, então, virou de puro prazer. Desconfiado, mas com um sorriso no rosto, ele trocou a farda pela roupa da folia e caiu na farra.

No início do percurso, o cordeiro-folião revela que havia saído apenas uma vez em bloco, no Polimania, há quatro anos, quando ganhou um abadá. Mas, desta vez, enquanto curtia a festa no Papa, recebia olhares de espanto dos cordeiros que o conheciam. Nada que o incomodasse. “Posso tomar uma gelada?”, pergunta com um ar acanhado. “Claro que sim” é a resposta. Com o abadá, ele tem os mesmos direitos que os outros quatro mil foliões. “É que os cordeiros não podem beber, os coordenadores não permitem”, Edson explica. Mesmo assim, é visível, a ordem não é respeitada. “Se não beber fica chato. Tem que beber e pular também”.

Dívidas
Já perto do Cristo, ele, que cursa o terceiro ano do ensino médio, conta que a grana adquirida com o serviço prestado nos seis dias de Carnaval lhe servirá para pagar dívidas. “É um trabalho muito duro. A gente é humilhado toda hora pela galera do bloco. Se não fosse pelas dívidas não sei se viria este ano. Mas tem gente aqui que precisa mesmo de cada real desse”, reflete consciente.

Quando avista um grupo de Filhos de Gandhy colado na corda do bloco, Edson se admira com a facilidade com que eles atraem as garotas. “Gandhy é uma onda, né? Outro dia, um botou uma mulher na cintura e tudo”, fala dando risada. Riso maior ele solta ao saber que R$ 250 era o valor da camisa que usava.

“Só um abadá? Um só? Meu Deus, com um salário mínimo não dá pra estar aqui não”, salienta olhando para sua preciosa roupa.

De barão
Sua irmã estava também no Papa trabalhando como cordeira. Ao avistá-lo, ela fala: “Tá de barão, né?”. Em seguida, Edson observa que não havia outro negro naquele espaço, com abadá, que não fosse ele. “Aliás, tem um ali, só ele também,” diz. Ele, que tem namorada, passou o percurso curtindo e bebendo pouco, sem se insinuar para as mulheres do bloco. Edson parecia mais espectador da festa que participante.

Quando um cordeiro o empurra para dar espaço à passagem do carro de apoio, Edson olha para trás e sorri: “Hoje tô longe disso! Por que você não faz isso todo dia, hein?”.


Realidade
E como alegria de gente humilde dura pouco, nesse caso – cerca de cinco horas –, na terça-feira era dia de terminar mais uma temporada de trabalho no Carnaval.

Mas as recordações de estar, sem trabalhar, entre as cordas de um bloco acima de suas possibilidades financeiras reais durarão.

Percurso findo, é hora de voltar à realidade e se preparar para voltar ao trabalho no dia seguinte. Inebriado pela alegria, o cordeiro-folião se despede com um sorriso.



PRIMEIRA TENTATIVA FOI MALSUCEDIDA - A primeira tentativa para realizar a reportagem foi no bloco Agito Universitário, com o Parangolé. Mas não foi possível devido a desencontros com a assessoria da agremiação

REGALIA ASSUSTA CORDEIRO DO OLODUM - O Olodum cedeu o abadá na segunda tentativa de levar um cordeiro para curtir seu dia de folião. Mas, desconfiado da regalia, Josemar Souza preferiu não perder a diária de cordeiro


*matéria originalmente publicada em 18.11. 2010 em A Tarde
*fotos de Walter de Carvalho / Ag. A TARDE
* texto de Dimas Novais

2 comentários:

  1. Parabéns...pelo texto, pela criatividade!!!! =) Abraços Dimas...sucesso sempre! Continue assim.

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  2. Aqui e o prório edson graças a deus eu não trabalho mais como cordeiro estou trabalhando de carteira assinada ja . Hoje em dia digamos que ja da pa pagar um abada pra curtir , valeu pela reportagem !!! Meu orkut é edinhowav@hotmail.com abraços !!!

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