Em um estúdio próprio no Rio Vermelho o músico Márcio Mello compõe, grava, produz, mixa, masteriza, faz quase tudo. Adaptado a nova realidade da indústria fonográfica, o baiano que esteve mais de uma vez a um passo do estrelato diz não sonhar mais com o sucesso nacional. Aos 42 anos ele lança a produção independente “Solitário Punk”, seu oitavo disco, e afirma só se arrepender de uma coisa na vida: não ter ido aos 21 anos para Nova York quando tinha o visto de entrada nos EUA – hoje em dia, ele não consegue visitar o país. Mas o novo álbum está saindo do forno e nada de reclamação. Para ele, o momento é de celebração.
Solitário Punk será vendido a partir da primeira quinzena de dezembro ao preço popular de R$5 somente para que Márcio tire os custos da produção. Enquanto isso, o produto já está disponível para download no site oficial do artista. Em breve, os sete discos anteriores também serão colocados lá. E sobre a disseminação (não necessariamente comercialização) de músicas pela internet, ele acredita ser esse o mercado a ser explorado pelas gravadoras, mas só a partir do momento em que elas entenderem como funciona todo o processo. “Acho que as gravadoras só não avançaram muito no mercado da internet porque elas não têm propriedade pra mexer com isso. É como uma juíza falar de maconha sem nunca ter fumado, ela não tem propriedade pra falar disso. Mas ela não pode fumar, é proibido.” Apesar disso, ele não reclama, parece ter se adaptado bem a nova realidade fonográfica: “o mercado virou pra isso e é nisso aí que gosto de viver.”
No cenário imposto pela pirataria, os compositores são alguns dos prejudicados, já que, falidas, as gravadoras e também os artistas independentes não têm mais recursos para investir alto, o que inclui a diminuição dos valores pagos nos direitos autorais das músicas. Márcio Mello conta um episódio que ilustra bem essa questão. Em viagem pela França, ele ouviu em um bar “Tonelada de Amor”, canção de sua autoria gravada por Daniela Mercury, em uma releitura feita por uma banda de forró. Espantado, fuçou na casa e soube que o grupo era da cidade de Caraíva, sul baiano. Depois, descobriu que a banda chegou a procurar sua produção e oferecer R$1500 pelo direito de gravar a faixa. Contudo, a produtora não quis aceitar o valor por achar que ele era muito baixo para uma tiragem inicial de 10 mil cópias do disco. “Por que não aceitou se era o que eles tinham pra pagar? Eles não vão pagar nunca, então. Como é que você vai cobrar o que eles não têm?”, questionou o cantor. “Se o cara virar um sucesso, fenômeno, e isso parar numa grande empresa você ainda pode cobrar diante daquilo. Foi assim com Moinho. Eles gravaram e eu não recebi nada, mas aí a música entrou na novela e estourou de verdade, aconteceu.” Nesse caso, ele recebeu direitos da TV Globo e da EMI.
Punk rocker
“Onde canto ‘Tonelada de Amor’ e ‘Mulher de 23’ todo mundo canta e essas músicas não estouraram com ninguém. É uma loucura. Às vezes alguém da cidade ou do bairro gravou e todo mundo conheceu assim”, tenta explicar Márcio. “Às vezes tem um cara que não faz sucesso na cidade, mas que é estourado em Pernambués, em algum bairro. Eu mesmo durante muito tempo fui o homem do Rio Vermelho e na Pituba (onde mora) ninguém sabia quem eu era. Eu era o cara que tocava e lotava o Rio Vermelho”, recorda com orgulho. E hoje, que lugar o punk rocker ocupa? “Hoje ficou um pouquinho maior, já tô dominando outros bairros”, diz modestamente.
Ele conta que já teve a ilusão e a vontade de ser um artista nacional. Acredita que pode até vir a ser ainda, mas afirma não ter mais essa pretensão. “Acho que o bacana é você estar na sua turma e funcionar bem ali”. Ele, que já fez parte de uma banda (a Rabo de Saia), diz que essa foi uma época incrível, mas passou. “Foi massa, maravilhoso, mas banda tem uma idade, né velho? Ou é de adolescente, quando você tem o sonho de virar sucesso, ou você já fica um cara mais velho e faz a banda por curtição. Se da curtição virar sucesso tudo bem, mas não é a onda. Quando você transita naquela idade de 30 a 40 anos, não dá pra você começar uma banda, você já tá em outra vibe.”
De acordo com ele, fazer parte de uma banda é fruto mesmo dos anseios juvenis. “O cara quer tocar porque quer comer a menina da escola, porque quer tocar pra galerinha dele e quem faz o público são as amigas da namorada. Quando perde isso, não faz mais sentido, fica chato, burocrático. Você não tem mais a disponibilidade de enfrentar uma São Paulo, de durmir no chão. Você já é adulto e quem banca uma banda são os pais, uma avó. Toda banda tem uma vó”, brinca.
Teve parceria na solitária produção
A diferença mais evidente de Solitário Punk em relação aos álbuns anteriores, segundo Márcio, é a maturidade conquistada. Não que as músicas sejam mais maduras que as gravadas anteriormente – e definitivamente não são. A evolução descrita foi na consciência em ser uma voz e ter um discurso. Apesar disso, ele se redescobriu adolescente e teve que ser assim na escolha das músicas. “Tô mais preocupado com a letra. Não na qualidade dela, mas em dizer mais mesmo que seja besteira e meus discos têm sempre letras pequenininhas porque eu tenho dificuldade de gravar.” Faltando uma semana e um dia para o show de lançamento do álbum ele ainda decorava as faixas.
“Meu show é muito louco, é autoral, não toco cover. É muito difícil um artista ser alternativo, fazer um disco, um show autoral e estar na mídia.” E o termômetro para inserir as canções no disco é sempre o público. O que soa melhor nos shows entra no registro. Além da faixa-título, compõem o repertório do registro “Na boca e no peito”, “O sol esquentou minha cabeça”, “Você não sai da minha cabeça”, “Gostar de mim”, “Isso me doía”, “Tantas coisas”, “Dona de mim”, além de “Esnoba”, hit que alavancou a carreira da banda Moinho e “Mulher de 23”, regravação que contou com a participação de Chorão, do Charlie Brown Jr.
A ideia do disco ainda estava no rascunho quando durante um passeio entre os amigos Márcio Mello e Chorão a Praia do Forte, o baiano mostrou algumas músicas feitas para o CD e falou para ele botar a voz na faixa “Mulher de 23”. “Ele se amarra na música.” Mas Chorão ia viajar naquela mesma noite. Ia. A viagem foi adiada para o dia seguinte e na casa de Márcio mesmo, no armário mais especificamente, a canção foi gravada. “Não tinha como levar ele pra o estúdio, tinha que ser naquele momento ali. E ficou massa. Fiz a música no beat que ele cantou e não o contrário, não tinha base feita. Fiz a música em cima daquilo ali mesmo porque não queria perder aquele momento, aquela espontaneidade, o grande barato de uma participação. O cara passa e deixa alguma merda no meu disco, assim é que é bom. Foi uma das melhores coisas que fiz na carreira em participação.” E assim como o CD, o DVD, filmado na Europa, será vendido em dois meses sem grandes pretensões. Um livro também vem aí, talvez ainda este ano.
Fazer música prazerosa e descompromissadamente parece ser o “grande barato” do bon-vivant Márcio. E não simplesmente porque ele quis assim, mas porque a vida o fez assim. Quando tudo estava certo para ele abrir shows de Cássia Eller (no auge da carreira) e a cantora gravar algumas músicas suas, ela morreu. Quando o renomado produtor Tom Capone iria lhe dar espaço em uma grande gravadora, ele sofreu um acidente de motocicleta e se foi. “É, tem gente que pega a senha nº 10 e fica de cara pra o sucesso. Eu acho que peguei a nº 1 ou a zero”, diz Márcio dando risada das intempéries da vida.
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