segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Mapa de coisa nenhuma

Talvez um desvio ali ou um caminho estreito acolá possam lhe levar à praia.
Quem sabe ele não dá direto no mar?
Quem sabe ele não dá direito ao oceano?
Talvez pra chegar até a cachoeira você tenha que passar pelo limo que encobre as pedras.
Se pegar a rota da esquerda é capaz de dar em um Éden. Ou será pela direita?
Descambar em um chão firme de pedregulhos é mais provável, no entanto.
Então, pega o mapa e olha a trilha indicada.
Dá pra ler sim, é só esfregar os olhos e tirar a poeira da rota - pelo menos é o que dizem.

Subir por ali você não tinha pensado, não é?
Mas não há atalhos, é bom que fique sabendo.
O caminho é nu, cru. De indas e vindas ele está cheio.
Vá...

Ih! Já foi!

Passaram-se 12 meses.

Ao chegar lá no cume do rochedo, percebeu: a praia está mais longe do que previa.
E há serras, com cumes imensamente mais elevados. Apontam todos para o céu. Invariavelmente.
Esse mapa dá é em coisa nenhuma.
Ou é você que não o sabe ler?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Mais uma San Galo na música

Com essa leve diferenciação no sobrenome (a separação em duas palavras), Mônica, irmã de Ivete Sangalo, lança Confissões de Madame, seu primeiro trabalho. Autoral, CD e DVD chegam ao mercado através da Universal Music


“Sou uma pessoa muito rigorosa pra avaliar qualquer coisa que tenha relação com a música. Agora me senti preparada”. Assim, se qualifica Mônica San Galo ao falar de “Confissões de Madame”, seu primeiro registro musical. Aos 46 anos, a irmã de Ivete Sangalo chega ao mercado fonográfico pelas portas da frente, afinal, o CD foi gravado ao vivo no ano passsado, no Teatro Castro Alves, e deu origem também a um DVD, ambos lançados pela Universal Music.

“Sempre fui cantora,” diz ela, que estudou música na Universidade Católica de Salvador antes de se formar em Direito pela mesma instituição. “Mas só pensei em seguir uma trilha definitiva depois de criar minha filha”, que agora tem 18 anos. Deixando de lado o papel de mãe, ela vive uma madame, personagem que encarnou para dar cabo ao desejo de fazer o que tanto gosta. A cantora escolheu brincar com o termo “Madame” porque assume que é esse o momento em que se encontra. “A praxe é você começar na música muito cedo e eu estou numa fase mais madura”.


O resultado do amadurecimento é um registro quase todo autoral composto especialmente para a gravação. Apenas duas faixas do disco são dela em parcerias: “Choro Novo, Amor Antigo”, com Duarte Velloso, faixa que tem participação do Grupo Jacarandá, e “Tango Para Madame”, com Saulo Gama. Além disso, há a regravação de “Fanatismo”, poema musicado pelo cantor cearense Raimundo Fagner, no DVD. E como diz o título do registro audiovisual, ela considera o trabalho confessional porque o repertório, em ordem cronológica, fala de suas facetas como mulher: a mãe, a cantora, a romântica, a cheia de fantasias, a observadora.

Ouvinte assídua de rádio AM, ela diz que tudo é inspiração para sua música. “Ouço FM também, mas ela é filha da AM”, faz questão de dizer. Ritmos como o choro, a bossa nova e até o “iê iê iê” a influenciam. Nana Caymmi, Clara Nunes, Angela Maria e Roberto Carlos são algumas das referências para ela.

Com fortes toques teatrais, o DVD é quase uma “opereta de MPB”, brinca Mônica. Apesar de não ser atriz e nem ter pretensão disso, “fiz tudo na base do empirismo”, a dramaticidade nas canções e na cenografia, que exibe mesmo uma madame em seu quarto, foi escolhida para chamar a atenção do público. Entre os destaques do repertório estão “Samba da Vizinha” e “Condicional”, com participação de Lazzo Matumbi. Nos ritmos, uma pluralidade que vai de sambas a boleros, passando por baladas, fox-trote e algo como um arrocha em “Beijo”. Sem parecer ter pudor para dizer o que sente em qualquer melodia ou gênero, San Galo afirma gostar mesmo é de pluralidade - mas nem tudo ela arrisca.

Cantar axé? Não, ela se considera humana demais para isso. Mônica admite ser “altamente foliã” tanto quanto confessa que até gostaria de ser cantora do estilo carnavalesco. Mas, “me falta competência. Pra cantar axé precisa ser um semi Deus”. Ela garante estar na Avenida em 2010, mas para curtir a festa como qualquer mortal. Depois disso, talvez em março, ela estreie o show em Salvador. E quanto ao sobrenome, o dela é o original, garante. O da irmã é que foi apocopado para ser mais comercial.


*matéria originalmente publicada em 16.12. 2009 na Tribuna da Bahia
*fotos de divulgação - a última é a capa do DVD

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Jornada épica marca revolução no cinema

Após 15 anos de idealização de James Cameron, o diretor de Titanic, Avatar chega as telonas amanhã. Com alta tecnologia desenvolvida especialmente para a produção, o filme deve marcar o desenvolvimento de ponta da animação em cinema


A ganância do homem por riqueza - tão antiga quanto a própria humanidade – versus o amor ao próximo, a natureza e aos direitos alheios. Esse é o principal eixo das tramas cinematográficas hollywoodianas. O antagonismo entre o bem e o mal, afinal, rege o mundo. Mas atrelar isso a um enredo de aventura espacial, com imagens espetaculares concebidas através de efeitos visuais de ponta pode ser o grande diferencial – mas, claro, não garante o sucesso de um filme. Pois bem, é exatamente isso que torna o longa Avatar arrebatador: uma revolução em imagem nas telonas e um enredo épico onde a natureza tem lugar de destaque. Com direção, roteiro, produção e edição de James Cameron (“Alien”, “Exterminador do Futuro” e “Titanic”), a tão aguardada película estreia mundialmente amanhã.

Foram 15 anos de idealização e quatro de produção. Quando Cameron começou a escrever os primeiros rabiscos da saga, não havia tecnologia suficiente para que aquilo pudesse ganhar as telonas. Algum problema para o diretor? Nenhum. A equipe dele junto aos animadores da WETA Digital (vencedora de Oscar por efeitos visuais) criaram a aparelhagem necessária para tornar real a fantasia. Estima-se que tenham sidos gastos na superprodução cerca de U$240 milhões e mais U$260 milhões no emprego de novas tecnologias, marketing e pós-produção – o maior orçamento da história da 7ª arte. Resultado: James Cameron, vencedor de mais de uma dezena de estatuetas do Oscar, declarou ser este o filme mais desafiador que já fez.

Com o objetivo de manter aparências semelhantes aos dos atores, mas sem querer que eles atuassem com maquiagens, Cameron utilizou o método de captura de performance em que as limitações das próteses, por exemplo, são superadas. A computação gráfica se encarregou de criar efeitos como o alargamento do diâmetro e afastamento dos olhos, o afilamento dos corpos, deixando-os com pescoço mais longo, estruturas muscular e óssea diferentes, mãos com têm três dedos, além de uma pele azul translúcida. Através dessas nuances altamente refinadas, a vivacidade dos personagens se tornou única, inédita, com expressões faciais e corporais bem mais reais que os filmes produzidos até esta data.

Além da magnitude na qualidade das imagens, a essência da história valoriza a natureza não só em cores e na diversidade de plantas e animais fantásticos, mas na crença de um povo unido a ela intimamente. O ano é 2154 e Jake Sully (Sam Worthington) é um ex-fuzileiro naval que, sobre uma cadeira de rodas, vai cumprir uma missão no planeta Pandora de ajudar a desvendar os segredos de um povo chamado Na´vi, a 4,4 anos-luz da Terra. Mas o ar desse lugar é tóxico e o Programa Avatar é criado para que os humanos sobrevivam nessa terra em avatares, corpos que mesclam o DNA humano com o DNA dos nativos. É assim que Jake se infiltra no clã daqueles que vivem sobre um reservatório do valioso minério unobtanium.

Ao compreender e se sensibilizar com o modo peculiar de vida do povo, tornando-se um deles, Jake ainda se apaixona por uma Na´vi e tem os sentimentos transformados, voltando-se contra os planos de destruição do habitat extra-terrestre. Assim, ele tenta evitar um conflito entre civilizações que pode destruir um mundo inteiro. Fazem parte do elenco também Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephen Lang e Michelle Rodriguez.

Estratégias de marketing e o desenvolvimento a sete chaves da trama criaram um alarde no público maníaco por ficção, computação gráfica e efeitos especiais, enfim, nos fãs de tecnologia. O ponto positivo é que a bilheteria deve responder muito bem a isso, porém, o ponto negativo é que grandes expectativas podem gerar grandes frustrações. Suposições à parte, fato mesmo é que uma herança tecnológica será deixada. E Cameron já avisou, a depender da repercussão da película, ele se compromete em fazer duas continuações.


*matéria originalmente publicada em 17.12. 2009 na Tribuna da Bahia
*fotos de divulgação

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

I Prêmio CREA-BA de Fotografia 2009 (Acessibilidade e Cidadania)

Com muito prazer, escrevo em meu blog sobre o primeiro prêmio da minha carreira!

A fotografia abaixo, "Equilíbrio No Carnaval", foi a vencedora da 1º edição do concurso realizado pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura da Bahia, categoria livre. A imagem foi registrada na folia deste ano, na Avenida Oceânica (circuito Barra-Ondina), da sacada do Camarote Contigo! Daniela Mercury, no dia 23 de fevereiro de 2009.


Agradeço à instituição, que deu oportunidade a apaixonados pela fotografia, como eu, de pôr a mão na câmera para "falar" de um assunto tão significativo - embora eu não tenha registrado a cena especialmente para o Prêmio. Ao incentivar a discussão sobre o tema acessibilidade e cidadania, colocando em pauta o direito universal de ir e vir dos indivíduos, independente do estado físico de cada um, fica mais fácil encontrar soluções para os problemas urbanos que encontramos a cada curto passo.

Agradeço aos amigos Ian Castro, Rodrigo Fiusa e Gabriela Teixeira, que me ajudaram na escolha da foto.

Agradeço também aos meus pais que, enquanto eu viajava pra Fortaleza, corriam para entregar minha inscrição.

E agradeço à Facom (Faculdade de Comunicação da UFBA) por aguçar uma paixão minha, a de enxergar através das lentes de uma câmera.

Eis o troféu que recebi durante solenidade no Othon Palace Hotel, sexta-feira passada.

É isso, espero que esse seja um ponta pé!
Só não consegue quem não tenta, fica a dica.

Beijos,
Dimas Novais

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Um convite à mestiçagem

A cantora baiana apresenta ao público o projeto Canibália, que compõe um disco com experiências sonoras hipercriativas, dois documentários, uma exposição de artes plásticas e o show, que estreia em Salvador dia 1º de janeiro


“Eu trago o sol, nos meus olhos um farol. Eu trago a luz que vem de lá do Sul”. Através dos versos da canção “Sol do Sul”, Daniela Mercury diz ao mundo o que a difere de outros artistas. Consciência do passado e do presente de seu povo e uma luz criativa notável. Tudo isso está em Canibália, uma antropofágica produção artística que envolve um disco, uma exposição de artes plásticas e dois filmes. A compilação de tantas influências populares, refinadas e modernas anuncia: o convite à mestiçagem está feito.

Através de uma coletiva de imprensa virtual, a cantora baiana falou sobre o ousado projeto, já lançado em show e, agora, disponível em CD. São cinco capas diferentes para o álbum que está sendo comercializado no Brasil e uma delas será única para vendas no exterior. “As cinco capas é para as pessoas terem percepções diferentes. É o mesmo disco, mas a ordem das músicas muda, o que altera o conceito que as pessoas vão ter do disco, é uma provocação minha. Cada um responde de um jeito”, explica. Nesse momento, esse conceito distinto fez sentido pra ela. “No próximo, talvez, venham 10 capas ou meia-capa, vai saber, do jeito que as coisas estão indo com os CDs.” Inicialmente o projeto soou estranho para gravadora, “mas agradeço a eles por me apoiarem nessa ideia que me pareceu gostosa.” Haverá uma edição limitada, depois as compras acontecerão através do site da Sony Music. Em um primeiro momento, a capa com a imagem da artista com a flor no rosto é a principal – e é a que foi distribuída lá fora também.

Além de “Sol do Sul” (parceria entre Daniela e seu filho, Gabriel Povoas), outras 13 faixas compõem a obra. Candomblé, drum and bass, axé, twist, house, rap, samba, reggae, merengue e rock. Entre ritmos e arranjos supertrabalhados, como na versão eletrizante de “Tico-tico no Fubá”, que junto a faixa “O Que Que a Baiana Tem?”, simboliza uma homenagem ao centenário de nascimento de Carmem Miranda, a baiana mostra sua percepção de mundo em canções autorais e regravações. “Oyá Por Nós” (Daniela e Margareth Menezes), “Preta” (com part. de Seu Jorge) e “O que Será” (Chico Buarque), estão entre as conhecidas do público. Destaques também para “Trio em Transe”, “Castelo Imaginário”, “Dona desse lugar”, “This Life Is Beatiful”, que tem participação de Wyclef Jean, e “Cinco Meninos”. Esta última, uma curiosa gravação que conta com as vozes de vários membros da família Mercury.

A artista fala que, a seu pedido, todos tiverem que cantar e o fizeram muito timidamente porque a maioria nunca cantou. “Foi mais difícil fazer meus sobrinhos cantarem, descobrir a melhor parte da faixa para eles. Minha sobrinha tinha que cantar ‘5 meninos’ e ela dizia ‘5 patinhos’”. Essa música é uma homenagem aos seus pais. Ela considera “Canibália” um manifesto de afeto, que fala de sua família, e de afetos como Carmem Miranda e Dorival Caymmi.

Nos poros, arte
“Eu inspiro arte por todos meus poros, e transpiro também. A gente vai aprendendo durante a vida e o desejo sempre foi enorme para trazer delicadeza e coisas especiais – não só bonito, mas de provocador”, explica. O show, lançado em agosto, em São Paulo e Rio de Janeiro, chega à Bahia no primeiro pôr-do-sol do ano, durante o tradicional show da cantora no Farol da Barra. A apresentação é dirigida musicalmente por ela junto à filha Giovana e conceitualmente pelo filho Gabriel. “Fiz todos artistas desde pequenos, para me ajudarem”, revela. “É um show muito forte, entro de vestido branco, descalça, depois já vou para um rock com uma bota... são trocas de roupas, detalhes que agregamos durante o show”, adianta.

Fazem parte do projeto, ainda, o documentário “Música: Mãe da dignidade”, produzido por Daniela, que já está filmado e editado. “Faz parte do meu interesse pela vida social brasileira e de como a música reúne todos e como ela se insere no sentido de educação, traz cultura e liberta.” Um outro vídeo (longa-metragem) contará a história do axé e os elementos que o constitui. “Vou mostrar as sínteses importantes que o axé trouxe para a cultura brasileira.” Nos próximos dois anos, uma exposição com artes plásticas, música e dança será produzida com saraus sobre o cenário da música brasileira.

Em sua agenda, está o Réveillon em Sauípe e shows em João Pessoa e em Aracajú. Dia 8 de janeiro, segundo a cantora, haverá uma supresa em Salvador. “Aos 44 anos, estou aprendendo mais. Sempre disse aos meus filhos: mais do que ter um objeto, ter algo pra ser, é bom agarrar todas as manifestações artísticas – isso nada tira de nós. (...) Vou inventar mais coisas”, promete Daniela, que recebe hoje o título de cidadã paulistana. “O Canibália é um convite para a arte livre, enxergar os gêneros,” diz ela, que não se prende a qualquer um deles.

*matéria originalmente publicada em 07.12. 2009 na Tribuna da Bahia
*fotos de divulgação (as cinco últimas imagens são as capas do disco)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

30 mil emoções

Azul e branco eram as cores que estampavam as roupas das fãs declaradas mais assíduas, palheta preferida do astro da noite. Netos com avós, casais e predominatemente senhoras de meia-idade compunham o imenso público que encheu o Estádio de Pituaçú para assistir a um dos principais shows do ano em Salvador. A expectativa era grande, afinal, já havia quatro anos que o rei da música romântica brasileira não se apresentava na cidade. Mas chegou o instante tão aguardado e Roberto Carlos lançou emoções a uma plateia estimada em 30 mil pessoas, na noite do último sábado, por duas horas, durante o espetáculo “50 anos de música”.

Após uma introdução de quase 10 minutos da orquestra RC, que acompanha o cantor na turnê, Roberto Carlos subiu ao palco para iniciar o show da forma mais tradicional, cantando “Emoções”, pouco depois das 21h40, com 40 minutos de atraso. Inteiramente vestido de branco, disse, em seguida: “que prazer rever vocês. Mais uma vez em Salvador. Pela primeira vez no Estádio de Pituaçú. É uma alegria estar com vocês neste show da minha vida.” Após agradecer aos patrocinadores, finalizou: “gostaria de dizer muitas outras coisas, mas meu negócio mesmo é cantar”. “Eu te amo, te amo, te amo” e “Além do Horizonte” deram prosseguimento a apresentação.


O estádio ainda tinha espaços vazios na arquibancada. A previsão da produtora do show era que comparecessem 32 mil pessoas, mas, ao término do evento, a assessoria estimou duas mil a menos. “Essa canção gravei há muito tempo, mas quem fez mesmo sucesso com ela foi Claudinha Leitte, essa baiana maravilhosa,” declarou Roberto Carlos antes de entoar “Amor Perfeito”. Com violão em punho, ele seguiu cantando “Detalhes”, quando o público o aplaudiu intensamente. “Aquela Casa Simples”, “Nossa Senhora” e “Mulher Pequena” continuaram o set-list.


“Hoje, a gente não viu a novela, hein? Vocês não viram a novela porque vieram me ver. Obrigado. E eu não vi porque vim ver vocês. Tô ganhando. Tô na vantagem”, comentou, antes de cantar “A Mulher que Eu Amo”, canção que faz parte da trilha sonora da novela Viver a Vida. Em uma apresentação com pitadas mais sensuais que o comum, Roberto contou que a data simbólica de 50 anos de carreira, celebrada este e no próximo ano, o fez refletir sobre a infância, a vida e Cachoeira de Itapemirim (cidade natal), chegando a conclusão de que o mais difícil é pensar na sua vida sem as canções. O artista ainda falou do fascínio que sente, desde criança, pelas estradas e pelos caminhões. “Às vezes penso que se eu não fosse cantor, sei lá, bicho, acho que eu seria caminhoneiro.” Em uma noite nostálgica, o rei compartilhou íntimas emoções com seus súditos, que reagiam a cada comentário.


Estrutura e recepção de majestade
Uma iluminação de incrível apuro técnico. Enquanto isso, quatro telões em alta resolução ficavam com a responsabilidade de levar as expressões faciais e gestos do artista ao público que, do lado oposto ao palco, nas arquibancadas, até usava binóculos para enxergar o astro. “Eu sempre digo que ninguém vive uma emoção dessa sozinho. (...) Eu tô vendo que aqui também é igual. Já que á assim, vamos terminar essa canção juntos. E com o coro dos fãs finalizou “Outra Vez”.


“Eu gostaria durante minha vida toda falar do amor bem sucedido. Mas não foi isso que eu fiz porque a vida não é bem assim. Essa canção, por exemplo, fiz no momento de muita tensão, pra não dizer outra coisa. Tava muito bravo,” revelou, cantando depois “Do Fundo do Meu Coração”. “Mas em outros momentos fiz outros tipos de canções. Que bom que a vida tem isso. Há momentos que nos causam dor, mas há momentos de alegria e até prazer. “Eu te proponho” e “Os Seus Botões” ilustraram o discurso. “Mas aí veio a noite e a noite todo mundo faz... os planos do dia seguinte”, falou divertindo o público. “Café da manhã”, encerrou o tom mais malicioso da noite.

A participação da orquestra sinfônica de São Paulo abrilhantou ainda mais todo o show. Guitarras pesadas abriram o momento Jovem Guarda, com “É Proibido Fumar” e “Namoradinha de um Amigo Meu”. Perto do fim, Roberto dedicou “Como É Grande o Meu Amor por Você” ao público e seguiu com “É Preciso Saber Viver” e “Jesus Cristo”, encerrando a noite com uma larga distribuição de rosas. Botões vermelhos e brancos eram disputados por um público que se amontou em frente ao palco - não só mulheres, aliás, disputaram espaço no gargarejo. Demonstrando estar satisfeito com o espetáculo, o vice-presidente da Caco de Telha, e sócio da cantora Ivete Sangalo, Ricardo Martins, comentou: “acho que foi a realização de um sonho pra gente fazer essa produção para o público baiano, que respondeu muito bem. E o Estádio se consolida como uma nova área de shows de Salvador, a cidade estava precisando.”

*Texto e fotos de Dimas Novais exclusivas para o Cenas Por Grama

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Raimundo Fagner pra tocar no rádio

Atualizado, mas saudosista, o cantor cearense lança novo disco, em que fala de violência urbana, fome e, claro, amor. Em meio ao discurso sobre os projetos futuros, ele surpreende e critica Caetano Veloso chamando-o de aborrecente. Como um menino que se sente na obrigação de falar mal do coleguinha, Fagner parece querer comprar briga gratuitamente


Marcada para às 10h, a entrevista começou com 13 minutos de atraso, mas não por culpa do artista, que deve ter gostado da falta de pontualidade, já que foi acordado pela ligação. Soltando poucas palavras – por óbvios motivos – ele responde as primeiras perguntas sucintamente, fazendo crer que não “renderia muito” (para incluir o leitor no jargão jornalístico). Conclusão precipitada. Na entrevista esmiuçada abaixo, mesclada com um texto descritivo do artista sobre seu novo disco, “Uma Canção no Rádio”, Raimundo Fagner fala sobre a concepção do trabalho que acaba de chegar às lojas, o prazer pela intensa produção de discos, praticamente anual desde o início da carreira, em 71, e Caetano Veloso. Não, ele não foi perguntado sobre esse último assunto. Talvez o estabanado acordar o tenha feito tecer comentários voluntariamente sobre seu histórico desafeto. Ou não, como o baiano diria.

“Uma Canção no Rádio” é um disco simples e poético, que como um “filme antigo” (codinome da faixa-título) retrata o amor com um romantismo febril e adolescente. Na primeira canção, “Muito amor” (São Bento), esse clima já fica exposto e segue em “Regras do Amor” (Oliveira do Ceará), “Sonetos” (Domer), e pula para a nona faixa, “Amor Infinito” (Oliveira do Ceará). Em meio a isso, a harmonia rítmica, os arranjos e, claro, o forte sotaque do cantor, dão toques regionais. Tal característica fica ainda mais evidente na regravação das já conhecidas pelos nordestinos “Me dá meu Coração” (Accioly Neto) e “Flor do Mamulengo” (Luiz Fidélis), logo antes de “Farinha Comer” (Fagner e Chico César), que aparece no mesmo clima e inaugura uma parceria autoral retratando o crônico problema social da fome. “Essa música já estava combinada há algum tempo. Mandei a música pro Chico num dia e no dia seguinte ele mandou a letra com versos de gr
ande poeta”, relata.

Fagner recebeu dois parceiros nos vocais. “Martelo” (Oliveira do Ceará e Adamor) ganhou mais um autor com os versos de Gabriel O Pensador. Versos contemporâneos que fazem críticas mais diretas e escrachadas, em comparação com a parte da letra escrita anteriormente, citando as crianças João Roberto, João Hélio e Isabela, vítimas fatais recentes de violência. A canção é uma flecha que acerta prontamente seu alvo: o sistema judiciário brasileiro. Fagner conta que sugeriu mostrar ao carioca a canção “já que o tema é bastante instigante e poderia despertar o interesse do Gabriel em fazer a participação no CD”. Para sua surpresa, ele obteve resposta rapidamente. “De bate-pronto escreveu ao seu estilo os versos que canta. Embora falando do mesmo tema, são duas leituras distintas para os dias cheios de violência e injustiça social que vivemos”, comenta o cearense.

A outra parceria, “Uma Canção no Rádio”, foi composta especialmente para esse trabalho pela dupla Fagner e Zeca Baleiro, cuja afinidade já pôde ser conferida em trabalhos anteriores, como o disco Raimundo Fagner e Zeca Baleiro, de 2003. A parceria pelo visto ainda tem muito o que render: “a gente vem sempre compondo juntos”. Diferente do convencional, “a participação de Zeca se dá logo na abertura da faixa. É um fato raro o artista convidado abrir a canção, mas, no meu entender, é apenas a continuidade do trabalho que fizemos recentemente e que se revelou de grande afinidade.”Assim como em “A voz do silêncio” (Fagner e Fausto Nilo), que fecha o álbum, ela é mais sofisticada no tratar do tema amor e seus desencontros. Para Fagner, essa última remete às canções dos Beatles. E sobre a banda inglesa ele fala que é fissurado. “Total, sempre fui ‘beatlemaníaco’ e sempre ouço, sempre fica alguma coisa”.


Concepção do álbum
O CD, lançado pela Som Livre, começou a ser pensado no final do ano passado enquanto ouvia “coisas bonitas de um rapaz que escreve muito bem”. O tal moço é Oliveira do Ceará, conterrâneo que ele não conhecia, mas que o surprendeu com suas composições. Repertório escolhido, Fagner realizou a produção completa durante quatro ou cinco meses entre estúdios no Rio de Janeiro e Fortaleza. O cantor é acostumado a receber músicas de todo os cantos do Brasil, “recebo umas 1000 fitas”, diz. Mas dessa batelada um mínimo material é utilizado. “Se aproveitar dois ou três já ta bom. Mas guardo, tenho um baú maravilhoso”, revela ele, que afirma escutar muito a criatividade dos anônimos.

A razão do título do disco vem da faixa homônima “resumir todo o sentimento do trabalho no seu contexto poético e musical além da referência que faz ao rádio, destino natural de músicas que são feitas para chegar aos ouvintes, relevando cada vez mais sua importância na comunicação". Para ele, o álbum tem uma sonoridade atualizada para cair no gosto das novas gerações. “Uma canção no rádio” soma-se a outros 39 discos de carreira de Fagner, retirando da lista as coletâneas, em 38 anos de carreira – obtendo aí a elevada média de mais de um disco por ano. Esse é o resultado do tamanho do prazer que sente em realizar seu ganha-pão, justifica. “Férias só quando Deus mandar. Adoro escutar as pessoas, escuto o público, adoro estar atualizado, mesmo trazendo coisas antigas sempre. (...) Não me estresso com nada, é meu sustento e meu prazer. “Eu quero é viver do trabalho e não morrer do trabalho”, desabafa. “Este é o CD que comemora meus 60 anos de vida (a serem completados dia 13 de outubro deste ano) e que diz bem o momento que estou vivendo musicalmente e motivado naquilo que mais gosto de fazer com a música.”


Futuro e passado
Pelo seu contato estreito com um dos artistas mais importantes na difusão da cultura nordestina pelo país, Luiz Gonzaga, Fagner parece sentir uma obrigação de produzir algo para comemorar o centenário do nascimento do artista que faleceu há 20 anos. Por isso, ele planeja em 2011 (um ano antes da data) gravar um disco em homenagem ao pernambucano, curiosamente, sem a presença maciça do instrumento que lhe foi tão característico, a sanfona. “Quero trazer Luiz Gonzaga para as pistas para agradar a meninada. A obra dele é fantástica.” Mais uma vez o cearense quer trazer o passado de forma renovada. “A sanfona matou ele”, lembra em referência ao peso do instrumento ter trazido supostos malefícios a saúde de Gonzagão em função de sua osteoporose.

E já pensando no próximo registro ele inicia a turnê do disco dia 15 de agosto, em São Paulo, passando pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, entre outras cidades. Cada noite lhe renderá filmagens que serão compiladas e lançadas em DVD provavelmente no final deste ano. Salvador está, por enquanto, fora do roteiro, mas dentro dos anseios do cantor: “os baianos são tão receptivos. É um povo fantástico.” Enquanto falava de como vai ser seu próximo DVD, surpreendentemente, Fagner disse: “mas vou fazer uma coisa adulta, não de menino como Caetano”. O hipotético querer ser sempre jovem do baiano parece não ser observado com bom grado pelo cearense que, apesar de não ter visto nem ouvido seu último disco, afirmou: “só sei que ele pediu R$2 milhões, mas o ministério da cultura não está mais com Gilberto Gil no comando e ele não conseguiu”. Para ele, estar voltado para um público jovem querendo parecer assim é perder a “madureza”. “Caetano é menino, daqueles aborrecentes, sabe?”

*matéria originalmente publicada em maio de 2009 na Tribuna da Bahia
*foto1 é a capa do disco e fotos 2 e 3 de Lívia Campos/divulgação