sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Raimundo Fagner pra tocar no rádio

Atualizado, mas saudosista, o cantor cearense lança novo disco, em que fala de violência urbana, fome e, claro, amor. Em meio ao discurso sobre os projetos futuros, ele surpreende e critica Caetano Veloso chamando-o de aborrecente. Como um menino que se sente na obrigação de falar mal do coleguinha, Fagner parece querer comprar briga gratuitamente


Marcada para às 10h, a entrevista começou com 13 minutos de atraso, mas não por culpa do artista, que deve ter gostado da falta de pontualidade, já que foi acordado pela ligação. Soltando poucas palavras – por óbvios motivos – ele responde as primeiras perguntas sucintamente, fazendo crer que não “renderia muito” (para incluir o leitor no jargão jornalístico). Conclusão precipitada. Na entrevista esmiuçada abaixo, mesclada com um texto descritivo do artista sobre seu novo disco, “Uma Canção no Rádio”, Raimundo Fagner fala sobre a concepção do trabalho que acaba de chegar às lojas, o prazer pela intensa produção de discos, praticamente anual desde o início da carreira, em 71, e Caetano Veloso. Não, ele não foi perguntado sobre esse último assunto. Talvez o estabanado acordar o tenha feito tecer comentários voluntariamente sobre seu histórico desafeto. Ou não, como o baiano diria.

“Uma Canção no Rádio” é um disco simples e poético, que como um “filme antigo” (codinome da faixa-título) retrata o amor com um romantismo febril e adolescente. Na primeira canção, “Muito amor” (São Bento), esse clima já fica exposto e segue em “Regras do Amor” (Oliveira do Ceará), “Sonetos” (Domer), e pula para a nona faixa, “Amor Infinito” (Oliveira do Ceará). Em meio a isso, a harmonia rítmica, os arranjos e, claro, o forte sotaque do cantor, dão toques regionais. Tal característica fica ainda mais evidente na regravação das já conhecidas pelos nordestinos “Me dá meu Coração” (Accioly Neto) e “Flor do Mamulengo” (Luiz Fidélis), logo antes de “Farinha Comer” (Fagner e Chico César), que aparece no mesmo clima e inaugura uma parceria autoral retratando o crônico problema social da fome. “Essa música já estava combinada há algum tempo. Mandei a música pro Chico num dia e no dia seguinte ele mandou a letra com versos de gr
ande poeta”, relata.

Fagner recebeu dois parceiros nos vocais. “Martelo” (Oliveira do Ceará e Adamor) ganhou mais um autor com os versos de Gabriel O Pensador. Versos contemporâneos que fazem críticas mais diretas e escrachadas, em comparação com a parte da letra escrita anteriormente, citando as crianças João Roberto, João Hélio e Isabela, vítimas fatais recentes de violência. A canção é uma flecha que acerta prontamente seu alvo: o sistema judiciário brasileiro. Fagner conta que sugeriu mostrar ao carioca a canção “já que o tema é bastante instigante e poderia despertar o interesse do Gabriel em fazer a participação no CD”. Para sua surpresa, ele obteve resposta rapidamente. “De bate-pronto escreveu ao seu estilo os versos que canta. Embora falando do mesmo tema, são duas leituras distintas para os dias cheios de violência e injustiça social que vivemos”, comenta o cearense.

A outra parceria, “Uma Canção no Rádio”, foi composta especialmente para esse trabalho pela dupla Fagner e Zeca Baleiro, cuja afinidade já pôde ser conferida em trabalhos anteriores, como o disco Raimundo Fagner e Zeca Baleiro, de 2003. A parceria pelo visto ainda tem muito o que render: “a gente vem sempre compondo juntos”. Diferente do convencional, “a participação de Zeca se dá logo na abertura da faixa. É um fato raro o artista convidado abrir a canção, mas, no meu entender, é apenas a continuidade do trabalho que fizemos recentemente e que se revelou de grande afinidade.”Assim como em “A voz do silêncio” (Fagner e Fausto Nilo), que fecha o álbum, ela é mais sofisticada no tratar do tema amor e seus desencontros. Para Fagner, essa última remete às canções dos Beatles. E sobre a banda inglesa ele fala que é fissurado. “Total, sempre fui ‘beatlemaníaco’ e sempre ouço, sempre fica alguma coisa”.


Concepção do álbum
O CD, lançado pela Som Livre, começou a ser pensado no final do ano passado enquanto ouvia “coisas bonitas de um rapaz que escreve muito bem”. O tal moço é Oliveira do Ceará, conterrâneo que ele não conhecia, mas que o surprendeu com suas composições. Repertório escolhido, Fagner realizou a produção completa durante quatro ou cinco meses entre estúdios no Rio de Janeiro e Fortaleza. O cantor é acostumado a receber músicas de todo os cantos do Brasil, “recebo umas 1000 fitas”, diz. Mas dessa batelada um mínimo material é utilizado. “Se aproveitar dois ou três já ta bom. Mas guardo, tenho um baú maravilhoso”, revela ele, que afirma escutar muito a criatividade dos anônimos.

A razão do título do disco vem da faixa homônima “resumir todo o sentimento do trabalho no seu contexto poético e musical além da referência que faz ao rádio, destino natural de músicas que são feitas para chegar aos ouvintes, relevando cada vez mais sua importância na comunicação". Para ele, o álbum tem uma sonoridade atualizada para cair no gosto das novas gerações. “Uma canção no rádio” soma-se a outros 39 discos de carreira de Fagner, retirando da lista as coletâneas, em 38 anos de carreira – obtendo aí a elevada média de mais de um disco por ano. Esse é o resultado do tamanho do prazer que sente em realizar seu ganha-pão, justifica. “Férias só quando Deus mandar. Adoro escutar as pessoas, escuto o público, adoro estar atualizado, mesmo trazendo coisas antigas sempre. (...) Não me estresso com nada, é meu sustento e meu prazer. “Eu quero é viver do trabalho e não morrer do trabalho”, desabafa. “Este é o CD que comemora meus 60 anos de vida (a serem completados dia 13 de outubro deste ano) e que diz bem o momento que estou vivendo musicalmente e motivado naquilo que mais gosto de fazer com a música.”


Futuro e passado
Pelo seu contato estreito com um dos artistas mais importantes na difusão da cultura nordestina pelo país, Luiz Gonzaga, Fagner parece sentir uma obrigação de produzir algo para comemorar o centenário do nascimento do artista que faleceu há 20 anos. Por isso, ele planeja em 2011 (um ano antes da data) gravar um disco em homenagem ao pernambucano, curiosamente, sem a presença maciça do instrumento que lhe foi tão característico, a sanfona. “Quero trazer Luiz Gonzaga para as pistas para agradar a meninada. A obra dele é fantástica.” Mais uma vez o cearense quer trazer o passado de forma renovada. “A sanfona matou ele”, lembra em referência ao peso do instrumento ter trazido supostos malefícios a saúde de Gonzagão em função de sua osteoporose.

E já pensando no próximo registro ele inicia a turnê do disco dia 15 de agosto, em São Paulo, passando pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, entre outras cidades. Cada noite lhe renderá filmagens que serão compiladas e lançadas em DVD provavelmente no final deste ano. Salvador está, por enquanto, fora do roteiro, mas dentro dos anseios do cantor: “os baianos são tão receptivos. É um povo fantástico.” Enquanto falava de como vai ser seu próximo DVD, surpreendentemente, Fagner disse: “mas vou fazer uma coisa adulta, não de menino como Caetano”. O hipotético querer ser sempre jovem do baiano parece não ser observado com bom grado pelo cearense que, apesar de não ter visto nem ouvido seu último disco, afirmou: “só sei que ele pediu R$2 milhões, mas o ministério da cultura não está mais com Gilberto Gil no comando e ele não conseguiu”. Para ele, estar voltado para um público jovem querendo parecer assim é perder a “madureza”. “Caetano é menino, daqueles aborrecentes, sabe?”

*matéria originalmente publicada em maio de 2009 na Tribuna da Bahia
*foto1 é a capa do disco e fotos 2 e 3 de Lívia Campos/divulgação

Um comentário:

  1. ele valoriza as coisas que eu faço,essa foi a segunda vez que ele me gravou,domer

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