terça-feira, 13 de abril de 2010

Filmagem do longa de Quincas Berro D´Água é finalizada



Um pai de família que larga tudo e se entrega à vida boêmia da cachaça e da vadiagem. Esse é um daqueles tantos figurões que Jorge Amado retratou diversas vezes e de muitos modos diferentes em suas histórias. Mas o tal “bebum”, pai de família, é Joaquim Soares da Cunha, ou Quincas, personagem do romance “A morte e a morte de Quincas Berro D´Água”, obra publicada em 1961. Quase meio século depois, Quincas ganha (ainda mais) vida numa adaptação do romance para o cinema, sob a direção de Sérgio Machado e protagonizado por Paulo José. Pelas ruelas de Salvador, o filme foi rodado durante quase dois meses, encerrou suas filmagens na madrugada do último domingo e deve chegar às telonas em janeiro de 2010. (previsão atual: maio de 2010)



“A morte e a morte de Quincas Berro D´Água” é uma das pérolas que Jorge Amado deixou à literatura nacional e uma das referências que o mundo pode ter de certas características culturais do povo brasileiro. E uma dessas peculiaridades é a capacidade de rir de si mesmo em momentos de tristeza, virtude que o ator Paulo José destaca na construção da narrativa da película. “Estamos filmando do lado da miséria, mas está bonito. Tudo feito sem uma atenção depreciativa. Exibimos a força da vida. Os personagens são miseráveis, mas contentes”, comenta o ator. E para emprestar suas imagens aos papéis da trama de Jorge, os atores escolhidos, além de Paulo José, foram Marieta Severo, Mariana Ximenes, Vladimir Brichta, Luis Miranda, Othon Bastos, Milton Gonçalves, Érico Brás e muitos outros. O longa será distribuído pela Buena Vista e foi co-produzido com a VideoFilmes e Globo Filmes. Após montagem, edição e finalização, ele deve estrear em circuito nacional no primeiro mês do próximo ano.


As filmagens se iniciaram no dia 13 de março, em Salvador, e o clima no set no fim da semana passada era de saudade, afinal foram alguns meses de convívio praticamente diário. Para o diretor, esse foi o projeto mais ousado de sua vida. E não só por causa dos custos de sua produção, que necessitaram de um investimento de R$6.250.000,00, segundo a produtora Beth Accioly, mas porque ele nunca dirigiu tantos atores juntos e cenas tão difíceis de serem rodadas. Uma tempestade no mar, filmada em um saveiro montado nos galpões da CODEBA (Companhia das Docas do Estado da Bahia), um corpo sendo puxado para cima pelo lado externo de um edifício e uma briga envolvendo cerca de 50 pessoas. Essas são algumas das partes de um roteiro não muito longo, mas cheio de locações, interpretações intensas, efeitos especiais e muita aglomeração. Sem contar com o fato de que cerca de 90% do enredo se passa à noite.

Como preparação para este projeto sair do papel e ganhar a animação das telas de cinema, o diretor contou que há um ano e dois meses voltou às origens e se mudou para Salvador para se dedicar inteiramente a isso - sim, ele é baiano. “Não matamos um leão por noite, matamos uma selva inteira aqui, como diz Paulo (José)”, brincou. Parte da equipe de atores veio para Salvador dois meses antes do início das filmagens. A equipe que trabalha diretamente no set é formada por cerca de 80 profissionais, fora a figuração. Desses, 57 são personagens fixos e são 10 os principais. Números bastante superiores ao que Sérgio Machado está acostumado a lidar. “Meus trabalhos anteriores foram bem mais simples”, referindo-se principalmente a seu último longa, Cidade Baixa, que possuía apenas três atores principais.


E com vocês, Quincas
Entre gargalhadas, Paulo José estava ao lado de Othon Bastos e Milton Gonçalves, perto da Igreja de Conceição da Praia, na quarta-feira passada, dentro de um camarim improvisado, enquanto os três aguardavam o momento de iniciar um dos últimos dias de filmagem. Os atores davam risadas das histórias que o protagonista do filme contava. Após a sessão de bom-humor, Paulo José falou à Tribuna da Bahia um pouco de seu personagem e de sua relação com a Bahia.

Passando uma temporada em Salvador desde fevereiro, o ator contou dois dos fatores determinantes para ele ter aceitado encenar o papel de Quincas. Pesaram o fato dele ter gostado muito do último longa-metragem de Sérgio Machado, o “Cidade Baixa”, e também o fato da trama ser de Jorge Amado. “Eu adoro tudo de Jorge, a obra dele é uma grande escola pra que o povo compreenda um pouco mais sobre si mesmo, sobre sua história.”

Segundo Machado, as obras literárias do baiano retratadas no cinema são sempre muito vivas. “Acho a ‘A morte e a morte de Quincas Berro D´Água’ um dos textos mais incríveis dele. Essa história de fazer o Quincas ressuscitar, deixa mágica a história de trazer de volta a vida à uma pessoa querida”, explicou, além de ter comparado a magia da obra com “Dona Flor e seus dois maridos”, um grande sucesso de bilheteria do cinema nacional.

“Quincas é um morto extremamente vivo”, exclamou Paulo. E ele diz isso porque o personagem morre três vezes na história. Primeiro ele “chuta o pau da barraca”, deixa a família e a vida de respeitável funcionário público para cair na vagabundagem, na vida de jogatina e alcoolismo. Depois, ele, na solidão de seu quartinho imundo, envolvido por farrapos e curtindo a última bebedeira, morre novamente. E por fim, morre pela terceira vez quando seu corpo cai ao mar e desaparece da vista de seus amigos.

Esta não é a primeira vez que o ator passa um tempo na capital baiana. “Já tinha passado outros tempos aqui. Na década de 70 mesmo, passei um tempo em Salvador”, disse Paulo, enquanto lembrava de uma boate soteropolitana que freqüentava na época, a Anjo Azul, e de outros carnavais. “É, o Carnaval daquela época era bom, tinha Dodô e Osmar, só música boa”, relembrou saudoso.



Últimas cenas
“Quem sabia melhor beber do que ele, jamais completamente alterado, tanto mais lúcido e brilhante quanto mais aguardente emborcava? Capaz como ninguém de adivinhar a marca, a procedência das pingas mais diversas, conhecendo-lhes todas as nuanças de cor, de gosto e de perfume.” Este trecho do livro “Quincas” descreve bem o apreço pela bebida que nutre o vagabundo “bon vivant” e que norteia uma das últimas cenas rodadas. Foi um flash back, o momento em que Quincas Berro D´agua recebe este nome. Filmado em um bar, cujo dono era Alonso, o personagem de Othon Bastos, Milton Gonçalves fez uma participação especial interpretando o delegado Morais.

Prosseguindo as atividades derradeiras no set, mais algumas cenas foram rodadas – sem qualquer sentido cronológico - com Mariana Ximenez (como Vanda), Luis Miranda (interpretando Pé de vento), Flávio Bauraque (vivendo o Pastinha) e Frank Menezes (o Curió), além de algumas menores, com figurantes, e pronto. Na madrugada do último fim-de-semana, entre sábado e domingo, foi finalizado o tão desejado filme de Sérgio Machado. Como “Cidade Baixa”, a película foi ambientada em Salvador, também na região mais baixa e histórica do município. O Pelourinho, o Cais e outras regiões que se tornaram ricas na imaginação de Amado foram cenários para Paulo José deitar e rolar, literalmente, como Quincas. "Era o cadáver de Quincas Berro D'água, cachaceiro, debochado e jogador, sem família, sem lar, sem flores e sem rezas", como diz o livro.

Para Sérgio Machado “essa é a obra mais concisa, um livraço (sic) do autor. Quando era mais jovem, Jorge Amado viu um curta meu e mandou para Walter Sales ver”, contou. Esse foi o ponta-pé para que o ainda estudante de Comunicação, Machado, pudesse entrar de vez na cena profissional do cinema, trabalhando em todas as produções do cineasta daí em diante. Em homenagem ao escritor, seu filho se chama Jorge. E pela empolgação, Sérgio não vai parar de filmar os contos e causos do escritor baiano por aqui. “Hoje estou com bastante vontade de fazer novas coisas com estes personagens. A princípio, estou bem interessado. Uma série, outro filme, não sei ainda.” Fato é que Quincas volta à tona pelo menos em janeiro próximo, vivo e morto.




*matéria originalmente publicada em 11.05. 2009 na Tribuna da Bahia

*fotos de divulgação. foto 2 - Mariana Ximenes / foto 3 - Vladimir Brichta / foto 4: Sérgio Machado
* texto de Dimas Novais

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