Brilham olhos, correm pernas, voam pipocas. A lona se abre e centenas adentram-na numa velocidade quase infantil. Crianças, adultos, idosos. Quem não quer ver? O picadeiro é para todos que guardam um carrinho de rolimã ou uma boneca de pano na memória. Mas não há brinquedos assim, lá a brinquedoteca é viva. E nada de saudosismo, é tudo novo. Tecnologia afiada nos corpos e na arte. Aliás, você sabe até onde podem ir o corpo e a arte?
É lua cheia na noite de nuvens, ao menos sob a lona. Projeções reais sim. Vá dizer que não são? Por baixo dela, há, ainda, uma platéia recheada de expectativa. Um palco em círculo com duas cadeiras prateadas, um abajur, uma mesinha e uma gaiola com um globo vermelho luminoso dentro. Há também uma porta no canto, atrás. Um cenário de solidão posto diante de um coletivo de inquietação. Olhe ali! Estão surgindo personagens daquela magia entre a platéia. Sem alardes ou fogos de artifício, mas brandamente, o espetáculo se inicia. Sem que ninguém se dê conta: “Psiu! Já começou”. Preste atenção. Talvez você comece a entender até onde podem ir o corpo e a arte.
Uma garota se sente só mesmo com os pais ao lado. Sua mente cria figuras fantásticas que entram na sua vida sem hesitar. Quem as convidou? Sua imaginação. E esta confabula com as artes circenses pelo resto daquela noite iluminada. Sorrateiramente, um homem é retirado do público e torna-se mais um membro cênico. Uma oportunidade única de sair da recepção para a emissão da magia. Logo depois, meninas com biotipos orientais demonstram quão disciplinadas são ao brincar com diabolos como quem maneja ioiôs. Sem nariz vermelho, o palhaço da trupe aparece e com suas artimanhas arranca risos frouxos da garotinha ainda sem dentes e do marmanjo durão sentados lado a lado. O humor é unanimidade. Mas ainda não há pistas sobre a até onde podem ir o corpo e a arte.
Mergulham no ar tecidos vermelhos que povoam a cena numa agilidade desconcertante. A menina que pula corda em casa com a irmã fica baratinada com as dezenas de pessoas saltando dois, três, quatro cordões de vez. Bambolês viram anéis num dedo daqueles finos que deixam folga para peripécias manuais. Um casal encaixa seus corpos um no outro, outro no um, causando temores quanto uma possibilidade de queda deles em pleno palco – ingenuidade, isso parece nem chegar perto de acontecer. Equilíbrio, concentração ou força? Talvez tudo junto. Um solo de contorcionismo deixa arredondada uma coluna que deveria ser vertical. De volta, o palhaço quer rodar um filme. Atrapalhado, astuto, espirituoso, ele é tudo isso… mudo. Um salto do segundo andar de uma torre humana, arremesa um homem ao quarto pavimento de outra torre – e ele tinha pernas tão normais quanto as minhas ou as suas, leitor. Cadê a lei da gravidade, sumiu? E corpo e a arte, afinal, até onde podem ir?
Não há uma única palavra dita, só cantada. Alguns gritos onomatopéicos são entoados, mas eles se encaixam em nenhum e em qualquer idioma. O espetáculo é compreendido mesmo assim. A linguagem dos gestos ali é definitivamente universal. A dança, a música, o circo, a imagem e a expressão corpórea chegam a todos, sem distinção. Os sons são produzidos ao vivo por músicos e misturam-se com os sentimentos do público que podem ser ouvidos através de exclamações, uma vez que interjeições e gargalhadas nunca são tímidas. Explicitamente altas, claras e vivas.
Depois de espalhar alegria, os saltimbancos deixam rastros de novas cores em meio ao verde, amarelo e azul. “Quidam” atravessou o mundo e esteve aqui em frente. Pode avisar: o Cirque Du Soleil chegou, encantou e partiu! Quem não fugiu com ele, terá que esperar pelo seu retorno. E o que ficou da magia é a certeza de que não há limites para o corpo e nem para a arte.
[Assita aqui o trailer oficial do espetáculo Quidam do Cirque Du Soleil]
*matéria originalmente publicada no blog Lupa Digital
*fotos de divulgação