Em meio a uma overdose de axé em pleno verão de Salvador, um outro ritmo chama atenção. Enquanto carros na rua só tocam a música baiana que o Brasil tanto conhece, uma quantidade notável de pessoas se aglomera no Cais Dourado, casa de show no Comércio, para ouvir um som diferente. A artista responsável por isso é Mariene de Castro. Cantando samba popular essencialmente, a cantora baiana realizou mais uma edição do projeto “Santo de Casa” na última sexta-feira. Além de terem participado da noite os Filhos de Gandhy, o Cortejo Afro e Seu Jorge, Beth Carvalho também esteve presente, entretanto, ela se limitou a admirar o show.
Pouco mais de 21h40, começava a ser ouvida, do alto do camarote, a voz da cantora que aos poucos se transforma na nova cara do samba da Bahia. “Me leva na paz de Deus, me leva”. Com esse samba de Arlindo Cruz, Mariene de Castro abriu a noite e subiu ao palco para iniciar quase duas horas de show. “Eu vim pra dizer que o santo de minha casa faz milagre. Feliz ano novo. E viva a cultura popular”. Canções de seu disco “Abre Caminho” (2006), como a própria música-título, além de “Sambas de Terreiro” e “Cantigas de São Cosme e São Damião”, se misturavam com clássicos do samba tradicional, como “Falsa baiana”, “A vizinha do lado” e “Quem quiser vatapá”, além de músicas de outros estilos regionais pelos quais passeia, como o samba-canção, o maracatu e o ijexá.
A coisinha do pai
Madrinha de Mariene, a sambista Beth Carvalho contemplava o show como uma fã que não quer perder nenhum minuto do espetáculo. Com uma câmera na mão, ela registrava a apresentação e as palavras de Mariene em sua homenagem. Ao aparecer na sacada do camarote, chamada pela baiana, o público em coro pediu que cantasse, mas ela se conteve a continuar como espectadora mesmo, sem despregar os olhos do palco. “Agradeço muito a essa sambista linda, minha madrinha. Vamos cantar a música que ficou conhecida na voz dela”, e entoou “Raiz”, que também está em “Abre Caminho”, emendando com “Vou festejar” e “Coisinha do pai”. Na metade do show, Seu Jorge se juntou a Mariene para fazer uma breve participação. De óculos escuros e seu jeito peculiar de cantar, ele entoou “Minha missão”, “Eu sou o Samba”, “Samba da Minha Terra” e um improviso com “Samba pras Moças”.
Apesar de já ter uma carreira de mais de 10 anos, só há pouco tempo e a “passos de formiguinha”, como Mariene mesma costuma dizer, o Brasil passa a ter noção da importância de seu trabalho. E sobre a cantora, Seu Jorge deu sua opinião à Tribuna da Bahia: “Mariene significa renovação, não é à toa que Beth está aqui. Ela está de olho no que Mariene tem pra dizer. A imprensa de todo o país vai tomar conhecimento e vai ser inevitável parar de fingir que ela não existe.” Beth concorda: “o talento dessa cantora é inquestionável.” Quem também assistia ao show e elogiou a sambista baiana foi o presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues. “É um show muito bem preparado musicalmente. É a cara da Bahia. Costumo dizer que santo de casa faz milagre e aqui faz mesmo. Isso é importante porque milhares de pessoas de várias partes do mundo estão dançando e cantando samba-de-roda, uma música da terra”, disse.
Samba de raíz
Para relembrar o samba-de-roda de Santo Amaro, Mariene sacou um prato, que em sua mão se transformou em instrumento, e fez referência a nomes como Dona Dalva, Samba de São Braz, Samba de Nicinha e Dona Edite do Prato. “Esse ano é de Oxossi e no sincretismo religioso, São Jorge. Que ele traga tudo de bom”, pediu a cantora. Na casa lotada, ela fez o público se abraçar ao abrir rodas de ciranda quando cantou “Como Pode um Peixe Vivo Viver Fora D'água fria” e “Farinhada”.
Com sua banda, composta por dois violões, um baixo, um cavaquinho, um acordeon, quatro percussões (que se revezavam com pandeiros), além de três backing vocals, a sambista finalizou o show com os clássicos da MPB “O que é, o que é?”, “É hoje”, “Ê baiana” e “Eu não sou daqui”. Ao som de “Canção da Partida”, Mariene distribuiu rosas brancas para o público e guardou duas, uma para Beth e outra para Seu Jorge. Sua madrinha, então, deu a graça de sua voz apenas no encerramento do show, quando Mariene já estava longe dos palcos e foi até ela no camarote para encerrar como começou, ao som de: “Me leva na paz de Deus, me leva”. Lá as cantoras se encontraram e a baiana se despediu do público.
A busca pela raiz do samba-de-roda leva Mariene a uma sonoridade ímpar, fato que, culturalmente, tem grande importância não só para a Bahia, como para a identidade do Brasil por inteiro. Com o discurso de que não troca arte por dinheiro ela mantêm a riqueza poética da música e seu destaque entre os artistas baianos fica cada vez mais evidente - mesmo nadando contra a corrente por não cantar o estilo comercial predominante no Estado, o axé.
*matéria originalmente publicada em janeiro de 2009 na Tribuna da Bahia
*foto1 de divulgação e fotos 2 e 3 de Edgard de Souza/divulgação
Eu curti muito essa matéria, e concordo com vc com o potencial da Mariene, mas ainda não entendo porque ela ainda não explodiu no Brasil, enfim... coisas de artitas.
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