sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A princesa do rock cresceu

Ela já conquistou um sucesso sem igual para uma cantora baiana no cenário do rock´n roll nacional. Tudo bem, não houve muitas antecessoras. Mas o reconhecimento é notável para uma artista com apenas dois discos e um DVD na praça. Agora Priscilla Novais Leone, a Pitty, lança seu terceiro álbum e mostra que amadureceu. Em “Chiaroscuro”, ela sugere como o preto e o branco caminham juntos quando se trata de arte - também na linguagem musical. E é a veia artística sonora sem amarras e limitações que compõe o novo repertório, dando espaço para tango, bolero e até música erudita. Mas, calma, o rock é soberano no CD. Em meio a intensa agenda de divulgação do produto, que já está nas lojas, ela falou a Tribuna da Bahia. Lançado após quatro anos sem soltar no mercado um trabalho só de inéditas, Pitty deve surpreender quem acompanhava sua carreira e até mesmo quem não prestava atenção em seu som.

A primeira música de trabalho desse projeto foi sabiamente escolhida pois tem grande potencial para as rádios. Contudo, apesar de “Me Adora” estar sendo bem executada, “Chiaroscuro” pode não ser o maior sucesso comercial da cantora e compositora, mas é um marco de elevada importância na sua carreira, já que, com Martin (guitarra e vocal de apoio), Joe (baixo e vocal de apoio) e Duda (bateria), ela se arrisca em trilhos, até então, inexplorados pela baiana.

Nas entrâncias da atual fase, a roqueira exibe sua performance mais desprendida. Enquanto nos discos anteriores estava se moldando para ser ouvida e reconhecida, agora Pitty já entra na seara das incursões mais livres. No seu disco de estreia, “Admirável Chip Novo” (2003), ela arrebatou fãs, espalhou seu ar de garota de atitude pelo Brasil e explodiu na mídia, que há tempos aguardava o surgimento de uma artista assim talentosa, assim diferente e, porque não, assim agradável aos olhos. Dois anos depois ela aparece em “Anacrônico” afastando as pitadas mais explícítas do pop, fazendo um som mais austero e pesado, numa clara tentativa de externar sua veia metal.

Em “Chiascoruso”, nem uma coisa nem outra. Nem só músicas predispostas a hits, como também não predomina no disco o desejo de auto-afirmação. Mesmo com poucas figuras femininas em destaque no gênero, ela se arriscou, se deixou levar pelo sentido da palavra arte e a utilizou nas composições, nos arranjos, na concepção do disco e na identidade visual dele. A cara e a voz feminina do rock brasileiro atualmente já têm 32 anos e, naturalmente mais amadurecida, debocha de seu próprio pranto, avisa que Amélia “depois do lar, do trabalho e dos filhos ainda vai pra night ferver” e descreve a ressaca moral do dia pós-porre. Ainda em "Chiarosusco", Pitty descreve o medo de ter, de perder e “do que vê diante do espelho” em “Medo” e em “8 ou 80”. No pegajoso refrão de “Fracasso”, alerta os desavisados: “o futuro é você quem faz”. A típica balada vem com “Só agora”, que deixa a dúvida se foi feita na menção de um amor ou de um filho que não veio – lembrando que a cantora chegou a ficar grávida, mas perdeu o filho poucas semanas depois.

As surpresas sonoras do disco foram influenciadas em grande parte pela atmosfera que circundou o estúdio, onde criação era a palavra de ordem. Na contramão da trilha que o rock juvenil tem seguido (afinal, seu maior público tem bem menos idade que ela), a elipse de um hardcore melódico maciço nesse trabalho é o mais curioso. Gravado no estúdio Madeira, na casa do batera Duda, o álbum deu ao mesmo tempo vazão para expressões não só na música, mas também na fotografia, no vídeo, e nas artes plásticas. A capa surgiu a partir desse processo. Vindo das mãos de Catarina Gushiken, a tela que se transformou na cara do CD foi feita a pedido da cantora que queria a dicotomia entre claro e escuro em voga (“chiaroscuro”, em italiano). Técnica muito utilizada por Leonardo Da Vinci, essa expressão retrata contrastes, oscilações que causam impressões destoantes entre si. Sem fácil clareza de definição, o terceiro álbum da carreira de Pitty é criativo e inusitado. Artisticamente, a “princesa” do rock nacional cresceu.

Por que essa pausa de quatro anos no lançamento de um CD?
Pitty -
Não foi uma pausa programada. Simplesmente estava ocupada fazendo mil coisas, turnê, outros projetos e assim se deu. Foi também o tempo necessário pra dar uma recarregada nas idéias.


Como surgiu a idéia do título do álbum?
Pitty -
Durante o processo de gravação esse nome, Chiaroscuro, apareceu nas conversas e senti que ele conseguia traduzir o que a gente estava fazendo ali em termos de sonoridade e letra. O nome sugere contrastes, e as músicas tem muito disso. Depois de decidido o título minha idéia foi encaixar todo o universo do disco nesse conceito: fotos preto e branco, capa, encarte, site e tudo o mais.


Como rolou o set-list? As músicas foram compostas especialmente para o CD ou foram criadas nesse período entre gravações de discos?
Pitty -
Pra mim é bem difícil compor na estrada, eu preciso de um estado de aquietamento e introspecção específicos. E também de ócio, claro. Durante a turnê eu registrava algumas idéias soltas, pedaços de letra e melodia, riffs. Escrevo o tempo todo, e quando me dispus a criar um novo disco fui juntando esses pedaços e vendo qual deles rendia música.


Quais são os artistas do rock nacional hoje mais representativos para o gênero em sua opinião?
Pitty - Pra mim Cachorro Grande, Dead Fish, Cascadura, Nação Zumbi, entre outros.


Desde a época do Inkoma muita coisa mudou no cenário rocker de Salvador. Várias casas fecharam, algumas abriram e bandas (como Cascadura, Vivendo do Ócio, mais recentemente) deram mais a cara na mídia nacional. Para você que participa de eventos no Brasil todo e tem contato com inúmeros grupos de várias partes do país, como é a participação baiana no rock´n roll brasileiro hoje?
Pitty -
É um pouco maior, mas ainda tímida. Acho que o resto do país se tocou que Salvador possui bandas de rock muito boas, talvez pelo fato de saberem que a gente veio daí. Ficou aquela pulga atrás da orelha. Mas existe a coisa da distância, da banda precisar vir pros lados de cá para conseguir divulgação a nível nacional, de ainda não ser suficiente chamar atenção apenas localmente, até porque o apoio de mídia que se tem por aí pra bandas de rock ainda é bem segmentado.


Quais são os grupos daqui que você destaca?
Pitty -
Vivendo (do Ócio) é massa, é uma galera de uma geração mais nova que a minha e que parece ligada nas coisas, nos sons. Tem muita gente trabalhando: Lou, Nancyta, Retrofoguetes, Irmãos da Bailarina, Anacê, Matiz e tantas outras.


Percebi uma artista muito mais independente nesse disco. Independente de seguir algum estilo, de querer se firmar como uma cantora de rock. Acho que o sentido de arte (sem amarras aparentes) está esbravejando neste álbum. Você concorda com isso?
Pitty -
Concordo e sinto a mesma coisa. Quando a gente é mais novo parece ter mais medo de se aventurar, ou talvez seja a coisa de não querer ser confundido, ou a radicalidade proveniente da tenra idade mesmo. Cada vez mais eu sinto que preciso menos provar alguma coisa a alguém que não seja a mim mesma e aos meus. Tenho descoberto com o passar do tempo o verdadeiro sentido da palavra liberdade artística, que sempre existiu pra mim, mas que a cada vez se amplia mais. É um processo que começou na minha vida quando o Inkoma acabou por exemplo; eu sentia que estar numa banda que possui um rótulo específico é muito limitador e eu já dava sinais de que queria misturar mais, pirar mais, ir pra onde me desse vontade musicalmente. E quando se está numa banda "de hardcore" ,ou "de reggae", ou "de salsa" existe um certo compromisso com o estilo. Eu quero mais é fazer música, com todas as milhares de possibilidades que cabem nisso.


Na sua concepção, qual é a diferença deste disco para os outros? As distinções foram intencionais ou naturais?
Pitty -
As diferenças são sempre naturais e é tão inconsciente que só as percebo quando alguém comenta. O que vejo que aconteceu com esse disco é que estamos mais livres, soltos, brincando com novos timbres e novos instrumentos. O discurso é mais irônico, tem muito deboche e por vezes até bem humorado (um humor meio negro, mas enfim), estamos sabendo criar "climas"e texturas mais interessantes.


Quais são os seus próximos projetos?
Pitty -
Imediatos, sair em turnê a partir de setembro, outubro. Vai rolar show até em Buenos Aires.


Que sons você tem ouvido ultimamente? E na época da produção do álbum?
Pitty -
O disco novo do Morrissey e o do Placebo. Ano passado eu fiquei viciada no disco da Scarlett Johansson, no Last Shadow Puppets e no Little Joy. Pintaram também coisas como Gossip, Be Your Own Pet, Santogold, MGMT, TV On The Radio, Glasvegas.


TB - E o que você tem lido entre revistas e livros?
Pitty -
Não me tem sobrado muito tempo ultimamente, mas o último que me lembro foi "Cartas a Um Jovem Poeta" (Rilke) .


O que esses anos todos de carreira te proporcionaram de mais interessante até o momento? E a grana que ganha com o trabalho já deu para realizar sonhos de consumo pessoais?
Pitty -
São muitas coisas ótimas. Viver de música é uma benção enorme num país como o nosso. Não sou consumista nem tenho grandes ambições materiais, grana pra mim serve pra poder viajar e conhecer outros países e culturas e para proporcionar conhecimento através de livros, discos e afins.


E quando você vem à Bahia apresentar seu novo disco? Antes disso vem a terra por algum outro motivo?
Pitty -
Ainda não tem nenhuma data fechada, mas eu tô doida pra conseguir levar o novo show pra Salvador. Não devo ir aí antes, o trabalho aqui tem sido intenso!


Texto por Dimas Novais

*matéria originalmente publicada na edição da Tribuna da Bahia do dia 17.08.09
** foto de Caroline Bitencourt/Divulgação

14 comentários:

  1. Dimão, o blog tá muito bom. A diagramação, as imagens, a idéia, tudo ótimo! Tá mandando ver!

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  2. Acompanhar grama por grama do seu trabalho e do seu dia-a-dia é ótimo, Maum! Seus textos tem ficado cada vez melhores. Parabéééns!

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  3. Maravilhoso Maum!! Muito orgulhosa do jovem jornalista que vc é!! Seus textos estao ficando melhores com o tempo!E vamos que vamos!!
    amo-te

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  4. Dimaum!
    Você arrasando como sempre hein?!
    Sucesso, pq vc super merece!
    Beijão!

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  5. Ninho, fantárdigo. Realmente muito boa reportagem. O texto introdutório, as perguntas bem pensadas e estudadas. Você tá brocandooo!!!
    Orgulho meeega super hiper!

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  6. Olá Dimas,

    Obrigada por lembrar de mim, gostei muito do seu blog, parabéns. Sucesso.
    Beijos

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  7. Eh isso ai Dimaum. Jornalista sem blog não dá. Tem que expor suas idéias. Boa sorte e estarei acompanhando. Ass: Igor Novais

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  8. Velho, eu quero o seu emprego! Como faz????

    Viajando de graça, fazendo matéria com Pitty... meu sonho!!!! =D

    Agora falando sério: texto excelente, perguntas inteligentes, domínio do assunto... você já é um jornalista completo, hein????

    Juro que quando eu ficar famosa concedo entrevistas especiais a você!!

    Beeijo, querido!

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  9. Uma mescla de boa imagem e bom texto. Própio de jornalista. Adoro essa mescla de profissionalismo e talento. Parebéns e obrigado por escrever.

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  10. Ha, e ja esta no favorito dos "pequenos trapos" =)

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  11. Parabéns negaão... é por ae msm....rsrs

    grande abraço

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  12. Dimaummmm!!! Esse eh meu primaummmm!!!! ÊÊÊÊÊÊ
    Fico mto feliz pq a sua trajetória de sucesso está apenas começando!! E eu eh lógico, acompanhando dos bastidores!!!! Mesmo distante, à "tão somente quase 400km..."rsrsrs estarei sempre vibrando e admirando cada trabalho seu!! Sei q td eh feito c mto amor e eh por isso q causa grande admiração por todos q o acompanham... Super bj e continue assim!!!

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  13. parabéns parceiro.. bom trabalho.. continue trabalhando muito que com certeza isso trará bons frutos.. abração..

    Norberto Curvêlo

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